quinta-feira, 8 de março de 2012

Miriam Leitão e o caso Rubens Paiva


Já está definido o tema do próximo Observatório.
Na terça-feira, a jornalista Míriam Leitão vai contar a Alberto Dines os bastidores do trabalho realizado com o jornalista Cláudio Renato sobre os desaparecidos políticos, o caso Rubens Paiva e a Comissão da Verdade, bem como as razões que a levaram a se envolver com esta pauta.

Confira aqui a reportagem completa e abaixo um texto escrito pela jornalista sobre o assunto, publicado no último dia 3.

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Fratura do tempo (Miriam Leitão)

Tudo é bom no jornalismo: coluna, comentário, entrevista, furo, crônica, cobertura continuada, desenhar uma página, ver o trabalho minucioso de uma ilha de edição, correr contra o tempo no fechamento. Mas a reportagem é um momento supremo. Mergulhar numa história e ir unindo as pontas, fechando um quebra-cabeças, ouvindo as partes, é um exercício de paciência e emoção. Quando dá certo, você até sonha. Sonhei.
A ideia que Cláudio Renato e eu tivemos na Globonews há mais de dois meses era a de falar do trabalho da Comissão da Verdade e tentar mostrar como desapareciam os desaparecidos, que mundo era aquele que ainda nos assombra. O resultado do trabalho foi ao ar na quinta-feira e ontem — ainda repete às 0h30m e às 19h05m deste domingo — e foi publicado neste jornal.
O título Uma História Inacabada foi escolhido pela editora Cristina Aragão. Ele reflete com exatidão e delicadeza o drama do país e das famílias que não enterraram seus mortos, não realizaram seu luto.
Difícil reconstruir os fatos de cada um dos 183 desaparecidos políticos, mas eles sumiam assim pra nunca mais ao entrar numa guarnição militar, ou até em braços clandestinos do Estado, como foi a tenebrosa Casa da Morte de Petrópolis. Escolher Rubens Paiva é fácil. Ele foi definido por Ulysses Guimarães na promulgação da Constituição como a encarnação da sociedade. Descobrir o que os militares da Polícia do Exército da Barão de Mesquita fizeram em 1971 com o seu corpo é um segredo que ainda pertence aos assassinos.
Escolhemos então seguir seus passos finais, trazer o personagem à vida fazendo seu perfil na conversa com pessoas que o conheceram, em fotos e imagens públicas e das famílias, em documentos como o valioso relato escrito pela professora do Colégio Sion Cecília Viveiros de Castro. Fizemos uma longa entrevista com o Procurador da Justiça Militar Otávio Bravo, que está reabrindo os processos de 39 pessoas que sumiram no Rio e no Espírito Santo.
Fomos a Brasília duas vezes entrevistar autoridades sobre a Comissão da Verdade, que ainda não está funcionando. Tentamos falar com os comandantes militares. O Ministério da Defesa indicou José Genoino. A linguagem corporal dos chefes das três Forças, na sanção da lei que criou a Comissão já dizia tudo: eles detestam tudo isso. Integrantes dos clubes militares, dos oficiais da reserva, deram respostas vagas aos nossos pedidos, o coronel Brilhante Ulstra, que chefiou o DOI-Codi de São Paulo, segue orientação do seu advogado para não falar. O general Rocha Paiva disse com clareza o que pensa. Ele é contra a Comissão, contra reabrir essa discussão, acha que há um risco enorme de que a procura de informações termine na execração pública e punição de seus companheiros. Afirmou que assim pensam os militares da ativa. Na saída, na porta do seu apartamento em Brasília, o general me explicou o que o move:
— Não fui da comunidade de informações, mas poderia ter sido. O acaso me levou para outra área. Não vou deixar companheiros meus em risco, agora que a situação mudou.
O Brasil pode até decidir não olhar para trás, mas não pode mais permitir que seja resultado do veto das Forças Armadas. Ele e os atuais comandantes militares estavam no início das suas carreiras quando a comunidade de informações montou aparelhos de tortura, morte e ocultação de cadáver dentro de instituições que hoje prestam valiosos serviços à pátria. O general Rocha Paiva rechaçou a minha afirmação de que é um outro Exército: “É o mesmo.”
Pelo acaso desse tempo de jornalismo multimídia, eu fiz, recentemente, uma reportagem publicada neste jornal sobre empreendedorismo nas favelas. Para tornar possível o momento que começa a ser luminoso no Rio, forças policiais e os militares se uniram contra traficantes. Naquele tempo obscuro se uniram numa coalizão macabra. Por coincidência, num mesmo dia eu trabalhei de manhã na matéria dos desaparecidos, fui à tarde para a Rocinha conversar com empreendedores para a outra reportagem e terminei o dia fazendo coluna sobre crise do endividamento da Europa. Visitei dois tempos do Brasil e a lembrança de crises econômicas que já superamos.
Cláudio Renato e eu desembarcamos num sábado de manhã em São Paulo e passamos o dia no antigo Deops — Departamento Estadual de Ordem Política e Social — um lindo prédio onde tragédias ocorreram e agora famílias passeiam no fim de semana vendo exposição do memorial da resistência. Lá, entrevistamos os três filhos de Rubens Paiva.
A equipe tinha imaginado gravar numa antiga cela. Marcelo foi logo detonando a ideia, com jeito brincalhão:
— Horrível. Numa cela? Não! Vamos procurar um lugar bonito, leve.
Rimos do nosso erro. Era de fato uma péssima ideia pôr os filhos de Rubens Paiva numa cela. Onde a gente estava com a cabeça?
Na procura dos fios da meada lemos livros, material de jornal, vimos documentários. Jason Tércio no livro “Segredo de Estado” recria a história, com partes de ficção. No livro “K.”, Bernardo Kucinski fala do pai que procura a filha, professora da USP, e jamais a encontra. Numa frase, ele resume o que as famílias buscam, entre elas, a do autor: “Para que a sua memória na nossa memória descanse.”

2 comentários:

  1. Miriam Leitão, aguerrida Jornalista.

    A memória vem e vai e não descansa. Profética de mau agouro! Muito justo fazer que a sociedade responda pelos seus crimes em tempo real. De nada adianta revirar túmulos no momento que estamos enterrando vivos. É hipocrisia dizer que a escravidão foi “suave” ou afirmar que nossa ditadura foi “branda”. Como se pudessem harmonizar os sentimentos, nada se coaduna com o terror destes fatos, salve a justiça aplicada. Tudo há seu tempo, e agora o momento compulsoriamente deve ser dos VIVOS, o mais é demagogia. Direitos humanos e comissão da verdade só ganha CARATER E RESPEITO ao defender os vivos que estão encarcerados na FILA DA MORTE recebendo o deboche da sociedade como recompensa. Para que acesse meu pensamento, dê-me um crédito e segure por algum tempo minha bandeira e no vem e vai do seu desfraldar, reflita sobre morte e vida. A situação atual foi planejada, esta em plena execução, em breve serei mais uma cruz e meus filhos só mais uns marginais produto deste holocausto surdo mudo que a sociedade ignora em nome da impostura de comissões da verdade. Pura enganação, movimento político. Fui piloto da Varig, aposentado pelo AERUS, estão nos matando vivos! Socorro! Qualquer País (eis que falo do Brasil) para ter o direito de olhar para trás, primeiro tem que olhar o presente, com austeridade corrigindo o futuro agora. O Brasil, os Direitos Humanos e as Comissões da Verdade, devem explicação aos ex-funcionários da Varig.
    Ass. Pinheiro Da Rocha. 14/03/2012.

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  2. Assim como caso Paiva, outrahistoria que esta mascarada é a morte de Tancredo Neves. Jamais acreditei na versao oficial de quel ele morreu por motivo de doenca: Para mim, Tancredo Neves foi envenenado, como uma ultima tentativa do regime militar atravancar oprocesso democratico.

    Daria umaboa materia que todo povo brasileiro deveria tero conhecimento. A historia oficial nao é convincente.

    Alexandre - Bento Gonçalves/RS

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