segunda-feira, 5 de março de 2012

O homem que gostava do "sim", por Alberto Dines


Tinha pouco mais de 60 anos quando se suicidou em Petrópolis junto com a mulher, Lotte, num protesto contra a guerra. Setenta anos depois, Stefan Zweig está mais ativo e vivo do que quando se recolheu a um pequeno bangalô na região serrana.

Cinco livros estão sendo lançados simultaneamente em edição digital em inglês, formatos Kindle e Nook, acrescidos da biografia escrita pela primeira mulher, Friderike. Na Bahia, está sendo sonorizada a adaptação da novela, “A coleção invisível”, sobre a inflação alemã de 1923.

No Festival de Salzburgo em 2010, a novela “Medo” publicada originalmente em 1913 e que já merecera cinco versões para o cinema (uma delas assinada por Rosselini com Ingrid Bergman no papel principal), foi convertida num extraordinário êxito teatral.

O público de língua alemã reencontrou-se com Zweig no pós-guerra (seus livros foram queimados e banidos pelos nazistas na Alemanha e Áustria); na França, cada fragmento inédito que se descobre vai para a lista de best-sellers, americanos e ingleses seguem atrás. O escritor mais traduzido do mundo na década de 30 do século passado reaparece em sucessivos revivals.

Desta vez, porém, foi ressuscitado. Não se trata de fenômeno meramente editorial, o público tão massacrado pela coisificação quer reencontrarse com o idealismo que palpita nas suas biografias, nas opções humanistas, nos ensaios, na melancolia de algumas novelas e na capitulação em outras. Caso da única ficção concebida e escrita em Petrópolis, “Uma Partida de Xadrez”, terminada pouco antes de entregar os pontos.

Foi amigo do pacifista-comunista Romain Rolland e de Sigmund Freud, símbolo da independência espiritual. Seus livros, especialmente as biografias, eram discutidos pelo grupo de Fidel Castro em Sierra Maestra. Judeu, não observante, biografou três humanistas cristãos – Erasmo de Roterdã, Sebastião Castélio (adversário do fanático Calvino) e Lev Tolstoi.

Resgatou Maria Antonieta, enxergou na façanha de Fernão de Magalhães as sementes do internacionalismo e da globalização. A conferência que pronunciou no Rio em 1936, “A UnidadeEspiritual do Mundo” (praticamente inédita) é em sua essência a matriz do programa “Aliança das Civilizações” adotado pela ONU como antídoto ao belicismo do “Conflito entre civilizações” de Samuel Huntigton.

Quando visitou nosso país, Barack Obama fez dois discursos e em ambos referiu-se ao “país do presente” numa clara alusão ao clássico “Brasil, um país do futuro” o mais conhecido livro sobre o Brasil de todos os tempos. Stefan Zweig não era economista, nem futurólogo, fascinou-se com a beleza, as riquezas, sobretudo com a história de conciliações do país. Como enfatiza no prefácio, pretendia valorizar a solução brasileira para o ódio racial que naquele momento ensanguentava a Europa.

Sexta-feira passada, o “La Nación” de Buenos Aires republicou a extensa carta que a poeta chilena Gabriela Mistral enviou ao jornal no dia seguinte ao enterro do casal Zweig (de quem era vizinha e amiga). Revela que no último encontro o escritor manifestou sua angústia com o destino dos imigrantes alemães estabelecidos na América do Sul depois da decisão da conferência de chanceleres do continente de cortar relações com os países do Eixo. O refugiado se preocupava com todos os perseguidos, sem discriminá-los.

O jornalão argentino descobriu que ainda em 1928, quando Zweig começou a se interessar pela América do Sul, o primeiro objetivo era a Argentina, depois viria o Brasil. Nossos hermanos estão corretos: Zweig maravilhou-se com o sucesso argentino e acabou arrebatado pelo Brasil.

Era, como ele próprio dizia, um cultor do “sim”, gostava de gostar. Por isto está vivo, intenso, irradiando aproximações, 70 anos depois de enterrado.

ALBERTO DINES, jornalista e presidente da Casa Stefan Zweig, centro de memória que está sendo criado em Petrópolis.


Confira aqui o programa especial produzido pelo Observatório da Imprensa sobre o escritor Stefan Zweig.

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